Ius Constitutionale Commune e o direito indígena brasileiro: os impactos da decisão do caso povo Xucuru versus Brasil na jurisprudência e na administração pública nacional

Flavianne Fernanda Bitencourt Nóbrega, Maria Eduarda Matos de Paffer, Anne Heloise Barbosa do Nascimento

Resumo


O presente artigo objetiva avaliar os impactos concretamente causados na jurisprudência brasileira pela sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 05 de fevereiro de 2018, que condenou o Brasil pela violação dos direitos indígenas no caso do Povo Xukuru do Orurubá, localizado na cidade de Pesqueira, estado de Pernambuco. Por ter efeito vinculante, havia certa expectativa de que a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos Direitos Humanos (Corte IDH) impactasse nas decisões dos tribunais locais, como fonte doutrinária e jurisprudencial na questão territorial indígena. Para averiguar a eficácia da sentença da Corte IDH foi realizada pesquisa documental de atos judiciais e petitórios que utilizaram este inédito precedente internacional do caso Povo Xukuru vs Brasil no direito interno brasileiro, desde 2018. Nesse contexto, foram mapeadas as ações de órgãos estatais e também as petições do próprio povo Xukuru, replicando a decisão da Corte, em processos nacionais de desintrusão. Assim, foi analisado o impacto do precedente em três âmbitos do direito nacional: no direito administrativo que atualmente rege a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), nas litigâncias judiciais relativas a desintrusão de não indígenas nos territórios ancestrais e nos processos demarcatórios. Ao fim, conclui-se que tal precedente é subaproveitado pelo judiciário e que a utilização deste caso por parte dos atores institucionais e pela comunidade jurídica pode representar o início da pavimentação Ius Constitutionale Commune latino-americano no Brasil, dessa maneira auxiliando na construção de uma cultura de direitos humanos no país.

Palavras-chave


Corte Interamericana de direitos humanos. Povo Xukuru. Desintrusão. Direitos Humanos. Direito Internacional.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v11i2.7843

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