Redimindo o ativismo judicial: constitucionalismo democrático e a função contra-argumentativa das cortes constitucionais

Matheus Casimiro, Eduarda Peixoto da Cunha França, Flavianne Fernanda Bitencourt Nóbrega

Resumo


A expressão “ativismo judicial” funciona como um trunfo argumentativo para aqueles autores que discordam de decisões judiciais acerca de temas controversos. Tão logo uma decisão seja definida como ativista, será considerada ilegítima e, inclusive, inconstitucional, encerrando debates acerca de hard cases que poderiam ocorrer de modo mais científico e menos subjetivo. Busca-se, por meio deste artigo, desmistificar a expressão “ativismo judicial” e desvinculá-la de um sentido intrinsecamente pejorativo. Com base na Teoria do Constitucionalismo Democrático, desenvolvida por Reva Siegel e Robert Post, apresenta-se o papel contra-argumentativo que a jurisdição constitucional desempenha e como, nessa função, ela pode proferir decisões ativistas legítimas e constitucionalmente fundamentadas. Com base nisso, apresentam-se quatro critérios para avaliar se uma decisão ativista é adequada: o normativo; o de accountability; o da jusfundamentalidade; e o dialógico. Por fim, analisam-se decisões recentes do STF (ADPFs 709 e 742 e as ADIs n.os 6.341, 6.856 e 6.857), proferidas durante a pandemia, constatando-se que são compatíveis com os critérios propostos. Adota-se, no trabalho, o método hipotético-dedutivo e a pesquisa de cunho bibliográfico-documental, juntamente a uma análise qualitativa de casos.

Palavras-chave


ativismo judicial; direitos fundamentais; jurisdição constitucional; Supremo Tribunal Federal; separação de poderes.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v13i3.8844

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

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