A intuição do dolo em direito penal: correlatos neurais da teoria da mente, raciocínio indutivo e a garantia da convicção justificada

Thiago Dias de Matos Diniz, Renato César Cardoso

Abstract


Este artigo integra resultados significativos das ciências cognitivas contemporâneas – especialmente de estudos com imagens obtidas por ressonância magnética funcional e apoiados em psicologia comportamental – na compreensão da construção argumentativa do dolo em direito penal, bem como de uma seletividade penal política e moralmente focada no nível psicológico-individual. Tanto os elementos psicológicos que se encontram subjacentes à conceituação e classificação dos tipos dolosos, quanto os vieses que afetam o juízo de imputação do elemento subjetivo são tematizados sob um enfoque empírico. Uma vantagem desta abordagem interdisciplinar é tornar evidentes, entre outros aspectos, a associação natural e espontânea de institutos jurídicos, especialmente penais, com concepções morais pronta e automaticamente disponíveis, e os limites de eficácia de tradicionais garantias cognitivas do juízo penal. A metodologia utilizada foi preponderantemente a revisão de literatura, tanto na área específica da neurociência, destacadamente, correlatos neurais da Teoria da Mente (ToM), quanto da psicologia comportamental, com foco nos fatores intervenientes na atribuição de conhecimento, vontade e intenção (estados mentais) aos agentes, e sua relação com o sentido social (normativo) da sua ação. Foram verificadas assimetrias na avaliação de ações moralmente relevantes, que considera diversos fatores além dos estados mentais do agente (conhecimento e vontade) – os quais, inclusive, podem ser determinados não como premissa, mas como justificação de uma reprovação intuitiva. Identificou-se uma base psicológica da punição a título de dolo eventual, conforme o processamento cerebral dos efeitos colaterais negativos de uma ação. Constatou-se um efeito do perfil do agente (histórico de condutas etc.) na avaliação da reprovabilidade, da intencionalidade e, inclusive, da contribuição causal da sua ação em relação ao efeito lesivo. Por fim, notou-se que a interpretação de uma ação como intencional pode variar conforme se mostre materialmente danosa, ou apenas violadora de uma norma social. Esses resultados são importantes para o direito penal, especialmente para balizar o reforço permanente das suas garantias.

Keywords


Neurodireito; Vieses no Raciocínio Judicial; Teoria da Mente; Dolo; Direito e Garantias Penais

References


ALICKE, M. D. Culpable causation. Journal of Personality and Social Psychology, n. 63, p. 368–378, 1992.

ARISTÓTELES. Retórica. In: ARISTÓTELES: Obras completas. 2. ed. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa; Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005. v. 8, t. 1.

BJORKLUND; CORNIER; ROSENBERG. The evolution of theory of mind: big brains, social complexity and inhibition. In: SCHNEIDER, et al. Young children’s cognitive development: interrelationships among executive functioning, working memory, verbal ability, and theory of mind. New York; London: Psychology Press, 2013. p. 147-174.

BZDOK, Danilo et al. The neurobiology of moral cognition: relation to theory of mind, empathy, and mind-wandering. In: CLAUSEN, Jens; LEVY, Neil (Coord.). Handbook of Neuroethics. Heildelberg. Nova Iorque, Londres: Springer, 2015.

CALIL, Mário Lúcio Garcez; SANTOS, José Eduardo Lourenço dos. A formulação da agenda políticocriminal com base no modelo de ciência conjunta do direito penal. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, n. 1, p. 36-53, 2018.

CSIBRA, Gergely. Teleological and referential understanding of action in infancy. Philosophical Transactions of The Royal Society B Biological Sciences, v. 358, n. 1431, p. 447-458, 2003.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

GODFREY-SMITH, Peter. Folk Psychology as a Model. Philopher’s Imprint, v. 5, n. 6, p. 1-16, nov. 2005.

GREENE, J. D. et al. An fMRI Investigation of Emotional Engagement in Moral Judgment. Science, p. 2105-2108, 2001.

GREENE, J. D. et al. The neural bases of cognitive conflict and control in moral judgment. Neuron, v. 44, p. 389-400, out. 2004,

GREGO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. GRICE, Paul. Meaning revisited. In: SMITH, N. V. (Ed.). Mutual Knowledge. New York: Academic Press, 1982. p. 223–243.

HAIDT, J. The new synthesis in moral psychology. Science, v. 316, p. 998-1002, maio 2007.

HINDRIKS, Frank. Intentional Action and the Praise-Blame Asymmetry. The Philosophical Quarterly, v. 58, n. 233, out. 2008.

JAKOBS, Günther. La imputación jurídico-penal y las condiciones de la vigência de la norma. In: DÍEZ, Carlos Gómez-Jara (Ed.). Teoría de sistemas y derecho penal: fundamentos y posibilidades de aplicación. Granada: Editorial Comares, 2005.

JENKINS, A. C. et al. The neural bases of directed and spontaneous mental state attributions to group agents. PLoSOne, v. 9, n. 8, e105341, 2014.

KLIEMANN, D. et al. The influence of prior record on moral judgment. Neuropsychologia, v. 46, p. 2949– 2957, 2008.

KNOBE, J. Intentional action and side effects in ordinary language. Analysis, v. 63, p. 190-193, 2003.

KNOBE, J. Theory of mind and moral cognition: exploring the connections. Trends in Cognitive Sciences, v. 9, n. 8, p. 357-359, 2005.

KOSTER-HALE, J. et al. Decoding moral judgments from neural representations of intentions. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 110, n. 14, p. 5648-5653, 2013.

KOSTER-HALE, J.; SAXE, R. Functional neuroimaging of theory of mind: understanding other minds. 3. ed. Baron-Cohen, Lombardo & Tager-Flusberg, 2013. p. 132-163.

KOSTER-HALE, J.; SAXE, R. Theory of Mind: a neural prediction problem. Neuron, v. 79, p. 836-848, 2013.

LILLARD, A. Ethnopsychologies: cultural variations in theories of mind. Psychological Bulletin, v. 123, n. 1, p. 3-32, 1998.

MALLE, Bertram F. How People explain behavior: a new theoretical framework. Personality and Social Psychology Review, v. 3, n. 1, p. 23-48, 1999.

MALLE, F.; GUGLIELMO, S.; MONROE, A. E. Moral, cognitive and social: the nature of blame. In: FORGAS, J. et al. Social thinking and interpersonal behaviour. Philadelphia, PA: Psychology Press, 2011, p. 313-331.

MELE, Alfred R. Folk Conceptions of Intentional Action. Philosophical Issues, v. 22, 2012.

PIZARRO, D. A.; UHLMANN, E.; BLOOM, P. Causal deviance and the attribution of moral responsibility. Journal of Experimental Social Psychology, n. 39, p. 653–660, 2003.

RHODES, Marjorie; BRANDONE, Amanda C. Three-year-olds’ theories of mind in actions and words. Frontiers in Psychology, v. 5, n. 263, 2014.

ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

SANTOS, André Leonardo Copetti; LUCAS, Doglas Cesar. A relação entre criminogênese e práticas penais e o debate sobre a teoria da ação entre subjetivistas e objetivistas. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, n. 1, p. 127-161, 2018.

SAXE, R. The new puzzle of Theory of Mind Development. In: BANAJI, M. R.; GELMAN, S. A. (Eds.). Navigating the social world: what infants, children, and other species can teach us. New York, NY, US: Oxford University Press, 2013.

SCHILBACH, L. et al. Introspective minds: using ALE meta-analyses to study commonalities in the neural correlates of emotional processing, social and unconstrained cognition. PLoSONE, v. 7, n. 2, e30920, 2012.

SCHOLZ, J.; SAXE, R.; YOUNG, L. Neural evidence for “intuitive prosecution”: the use of mental state information for negative moral verdicts. Disponível em: http://saxelab.mit.edu/resources/papers/in_press/ IntuitiveProsecution_SN.pdf. Acesso em: 20 jan. 2018.

SODIAN, Beate. Theory of mind: the case for conceptual development. In: SCHNEIDER et al. Young children’s cognitive development: interrelationships among executive functioning, working memory, verbal ability, and theory of mind. New York; London: Psychology Press, 2013. p. 95-131.

TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

WELZEL, Hans. Teoria de la acción finalista. Buenos Aires: Depalma, 1951.

WOOLFOLK, R. L.; DORIS, J. M.; DARLEY, J. M. Identification, situational constraint, and social cognition: studies in the attribution of moral responsibility. Cognition, v. 100, n. 2, p. 283–301, 2006.

YOUNG, L. at al. The neural basis of the interaction between theory of mind and moral judgment. PNAS, v. 104, n. 20, p. 8235-8240, 2007.

YOUNG, L.; SAXE, R. Innocent intentions: A correlation between forgiveness for accidental harm and neural activity. Neuropsychologia, v. 47, n. 10, p. 2065-2072, 2009.




DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v8i2.5303

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia