O gerenciamento da demanda de água é o caminho para propiciar a sua preservação. - doi: 10.5102/uc.v5i1.669

Eliete Pinho Araujo, Rodrigo Pinho Rodrigues, Riane Nunes

Resumo


1) Introdução:
São poucos os recursos essenciais à vida que estão restritos por limites de disponibilidade tão definidos. A natureza finita do recurso água contém um aspecto crítico no qual o crescimento populacional influi diretamente. A contínua urbanização aliada à elevada densidade demográfica, principalmente nas regiões metropolitanas, contribui consideravelmente para o aumento da demanda de água e para a poluição dos corpos hídricos, seja por esgoto doméstico quanto por industrial.
Desse modo, percebe-se que com uma concentração populacional cada vez maior, a disponibilidade média de água renovável por habitante tende a diminuir, fato que repercute diretamente sobre a saúde e sobre os padrões de qualidade de vida da sociedade em geral.
A crescente preocupação com a preservação de água levou autoridades e pesquisadores a desenvolverem trabalhos e pesquisas que resultaram em programas públicos de planejamento e gestão dos recursos hídricos. Assim, o previsível horizonte de sua escassez a dotou de um valor econômico e sua evidente essencialidade a induziu à normatização de seu uso, com legislação específica e atuação do poder público, dada a criação da Política Nacional de Recursos Hídricos em 1997 e da Agência Nacional de Águas em 2000. Por conseguinte, com aprovação da lei de outorga e cobrança pelo uso da água, a iniciativa privada passou a adotar medidas de racionalização e reúso da água em seus processos industriais. Mais tarde, escolas, universidades, hospitais e edifícios comerciais também passaram a aderir a esse novo sistema.

2) O desenvolvimento das cidades conforme a conservação dos recursos hídricos:
Em todas as regiões brasileiras já se percebem ações em prol da economia de água. O Nordeste, em especial a Bahia, o Ceará e o Rio Grande do Norte, atualmente destacam-se pela implantação de sistemas de reúso de água na irrigação e em pequenas comunidades rurais e urbanas por meio de lagoas de estabilização para tratamento de esgoto doméstico. Em muitos casos, o benefício de programas como esse se estendem além do ambiental e do econômico, pois o reaproveitamento da água gera uma nova atividade, promovendo um bem social, como foi o caso de uma comunidade no interior da Bahia que, com a implantação de sistema de tratamento de esgoto doméstico passou a reutilizar a água tratada para irrigar a plantação de flores, tornando a venda das mesmas a principal atividade e fonte de renda daquela comunidade.
Já nas regiões sul e sudeste começa a despontar, principalmente nas áreas metropolitanas, projetos de reúso de água de banho (águas cinzas) em condomínios residenciais. Vale salientar que nesse tipo de projeto é fundamental a conscientização e o apoio dos moradores. Nesse caso, o grande preconceito da sociedade contra a origem da água de reúso, por desconhecimento ou desconfiança da mesma, infelizmente ainda é o maior entrave ao desenvolvimento e à difusão no Brasil dessas técnicas. Segundo OLIVEIRA JR (2004), nessas regiões mais desenvolvidas e industrializadas, bastante povoadas, mesmo possuindo bacias hidrográficas com grande capacidade em volume de atender a demanda de água, já estão passando por dificuldades na obtenção deste insumo, a água.
Todavia, a educação ambiental nas escolas de base é um grande exemplo de que a geração do século XXI está crescendo mais consciente de seus deveres como cidadãos em proteger e preservar a natureza de forma sustentável, vis-a-vis o desenvolvimento econômico e a promoção do bem-estar social.
Em Brasília, além do importante trabalho realizado na área de educação ambiental nas escolas e universidades, ressalta-se a criação, em 1997, do Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água (PNCDA) pelo Ministério do Planejamento e Orçamento e Secretaria de Política Urbana (SEPURB), formado por documentos técnicos (os DTAs) que são emitidos no âmbito de três áreas: planejamento, gestão e articulação institucional das ações de conservação e uso racional da água; conservação da água nos sistemas públicos de abastecimento e conservação da água nos sistemas prediais.
Em face a esse tipo de problema, para se evitar uma futura escassez, a utilização de programas de gerenciamento de água no combate ao consumo excessivo de água potável em grandes instalações prediais vem sendo adotado já em vários estados do país com resultados bastante positivos. Atualmente, dentre os vários programas que estão sendo difundidos, pode-se destacar a participação pioneira do estado de São Paulo, criado em 1995, por meio de parcerias entre a companhia de abastecimento e as universidades. Sua importância reside na sua aplicação em grandes edifícios públicos, como hospitais, escolas, universidades, na qual vem servindo de base para outros grupos de trabalho iniciados no país.
O contraste no Brasil de inundações, secas e geadas deve ser estudado de modo a buscar soluções que possam se adequar aos problemas cíclicos de grandes estiagens do Nordeste, ou de enchentes por falta de um sistema adequado de drenagem nas cidades, aliado também ao excesso de solo impermeável em virtude da ausência de áreas verdes, do grande percentual de pavimentação com asfalto, e do não cumprimento às prescrições urbanísticas de uso e ocupação do solo, promovendo altos índices de área construída nos loteamentos.
A cidade do Rio de Janeiro é um bom exemplo acerca desse assunto, visto que essa instituiu recentemente, fevereiro de 2004, uma lei que obriga todos os novos edifícios com mais de 500 m2 de área impermeabilizada a construírem reservatórios para recolhimento de água de chuva, com o objetivo de retardar temporariamente o escoamento para a rede de drenagem. Além disso, os depósitos servirão como estímulo para o reaproveitamento da água em diversos usos, como rega de canteiros e jardins, lavagem de carro, calçadas e play ground, no abastecimento de piscina e, principalmente, em instalações sanitárias. O município ainda estabelece que as novas construções não terão o habite-se, caso não apresentem um sistema que capte água em áreas como telhados, terraços e coberturas. A medida também é obrigatória no caso dos novos prédios residenciais com 50 ou mais unidades.
Em Curitiba foi sancionada uma lei em setembro de 2003 que criou no Município um Programa de Conservação e Uso Racional da Água nas Edificações, chamado PURAE. O PURAE tem como objetivo instituir medidas que induzam à conservação, uso racional e utilização de fontes alternativas para captação de água nas novas edificações, bem como a conscientização dos usuários sobre a importância da conservação da água e a lei recomenda que os sistemas hidráulico-sanitários das novas edificações deverão ser projetados visando o conforto e a segurança dos usuários, bem como a sustentabilidade dos recursos hídricos.
Dentre ações de utilização de fontes alternativas compreendidas na lei municipal de Curitiba, destacam-se a de captação, armazenamento e utilização de água proveniente das chuvas e de águas servidas, visto que a mesma obriga todos os novos condomínios residenciais a incorporarem essas ações em seus projetos de construção para múltiplos usos em substituição à cara água potável. No caso específico dos sanitários, que consomem em média 70% de toda a água numa construção, a lei torna obrigatória a canalização das águas usadas na lavagem de roupas, chuveiros ou banheiras para uma cisterna, onde serão filtradas e posteriormente reutilizadas nas descargas sanitárias. Então, somente depois essa água seria descartada para a rede de esgoto.
Figura 1: Sistema complexo de reúso de água pluvial
Fonte: Waterfall apud May (2004)
Figura 2: Sistema de grade localizada sobre a calha
Fonte: Waterfall apud May (2004)

Figura 3: Sistema simples de reúso de água pluvial.
Fonte: Waterfall apud May (2004)









Figura 4: Reservatório de auto-limpeza com torneira de bóia.
Fonte: Dacach apud May (2004).

Outro aspecto importante da nova lei diz respeito à instalação obrigatória de hidrômetros individuais nas novas edificações, evitando-se, assim, que o consumidor que desperdiça água se beneficie da conta pelo condomínio, prejudicando quem já aprendeu a economizar. A norma torna, ainda, obrigatório o uso de aparelhos eficientes como vasos sanitários, torneiras e chuveiros e que possuam dispositivos economizadores de água.
Há também registradas outras iniciativas por parte do poder público no semi-árido nordestino, a fim de universalizar o acesso de água potável nas comunidades mais carentes. Podemos citar a construção das adutoras no Estado do Rio Grande do Norte, das técnicas de captação de água de chuva e armazenamento em cisternas, a contribuição da Petrobrás na perfuração de poços, entre outros.

3) A necessidade de preservação frente ao aumento contínuo do consumo de água:
As ações focadas no meio ambiente compreendem uma extensão bem maior do que simplesmente a preservação e o uso eficiente dos recursos naturais. O caráter holístico no qual o assunto água está inserido necessita tanto de medidas político-administrativas quanto sócio-econômicas e ambientais, o que torna ainda mais complexas as resoluções a seu respeito. Por exemplo, a eficácia de uma campanha educacional para uso racional da água numa comunidade não pode ser garantida se a mesma não possui um bom sistema de abastecimento d’água e de tratamento de esgoto, pois a ausência destes acarreta contaminação dos corpos hídricos. Assim, de nada adiantaria a redução do consumo se as fontes de água ficassem contaminadas.
Para tanto, ressalta-se a importância de ações conjuntas do poder público frente à sociedade e aos órgãos administrativos responsáveis pelo saneamento, abastecimento e limpeza urbana das cidades. Deve-se também exigir a extinção dos lixões e a efetiva instalação de aterros controlados, para evitar a contaminação das águas subterrâneas (lençóis freáticos) e a proliferação de vetores causadores de doenças e agravos à saúde humana.
Independente do local no qual o recurso hídrico esteja inserido, é notório que este desempenha diferentes funções dentro do nosso ciclo de vida: primeiramente, como produto para o consumo direto de nós seres humanos, em segundo, como matéria-prima para diversas atividades, processos e/ou serviços, e por último, como própria constituinte dos ecossistemas.
Assim, a água é reconhecida por portar valor econômico, estratégico e social, essencial à existência e bem estar do homem e à manutenção dos ecossistemas do planeta. É, portanto, um bem comum a toda a humanidade e a sua utilização deve implicar em respeito à lei. A sua proteção deve se constituir uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado. O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra.
O gerenciamento do consumo das águas doces superficiais e subterrâneas é que deve ser o grande foco de ação, visto que a população mundial tenderá sempre a crescer e os recursos hídricos irão permanecer continuamente inalterados. Desta forma, governo, instituições privadas e cidadãos devem agir em conjunto, por meios de programas, de campanhas e da participação efetiva e consciente de todos em prol da redução do consumo de água e do bem estar comum das sociedades atuais e futuras.
4) Considerações finais:
A importância da conscientização em reduzir o consumo de água reside não somente na preservação dos recursos hídricos, como também na promoção da qualidade de vida de seus usuários e do contínuo desenvolvimento científico-tecnológico e econômico, possibilitando a plena execução das atividades de uma localidade qualquer, independente do seu porte ou região.
Todavia, a eficácia de planos de racionalização do uso da água está diretamente ligada à realização de campanhas educativas que promovam o empenho e a conscientização da população que usufrui do recurso, seja no seu local de trabalho ou no seu próprio lar.
Por fim, faz-se necessário, ainda, uma visão mais ampla acerca do problema de desperdício de água, já que somente a implantação de novas tecnologias não basta, e sim uma mudança de paradigma na cultura da sociedade brasileira.



















REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

[1] CURITIBA. Lei n.o 10.785, de 18 de setembro de 2003. Cria no Município o Programa de Conservação e uso Racional da Água nas Edificações – PURAE.
[2] GONÇALVES, O M., et al. Programa Nacional de Combate ao desperdício de Água: DTA B3 – Medidas de Racionalização do uso da Água para Grandes consumidores. Brasília: Ministério do Planejamento e orçamento. Secretaria de Política Urbana, 1999.
[3] OLIVEIRA JR., Osvaldo B., SILVA NETO, Jorge V. Utilização de Sistema de Coleta de Esgoto Sanitário a Vácuo, com Bacias de Volume Ultra-Reduzido, em um Edifício Comercial na Cidade de São Paulo. IN: I Conferência Latino-Americana de Construção Sustentável x Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído. São Paulo: ISBN, 2004.
[4] OLIVEIRA, Lúcia Helena de. Metodologia para Implantação de Programa de Uso Racional da Água em Edifícios. Tese de Doutorado em Engenharia – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999.
[5] PRÓ – ÁGUA / Unicamp. Programa de Conservação de Água da Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: www.fec.unicamp.br/~milha/proagua.htm. Acesso em agosto de 2004.
[6] PURA / USP. Desenvolvido pelo Laboratório de Sistemas Hidráulicos Prediais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Disponível em: www.purapoli.usp.br. Acesso em agosto de 2004.
[7] RIO DE JANEIRO. Decreto n.o 23.940, de 02 de fevereiro de 2004. Dispõe sobre a Criação de Sistema de Captação de Água da Chuva em Edifícios no Município.
[8] SILVA, Gisele S., et al. Implantação de Programas de Uso Racional da Água em Campos Universitários. IN: I Conferência Latino-Americana de Construção Sustentável x Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído. São Paulo: ISBN, 2004.
[9] SILVA, Ricardo T., CONEJO, João Gilberto L., GONÇALVES, Orestes M. Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água: DTA A1 – Apresentação do programa. Brasília: Ministério do Planejamento e Orçamento. Secretaria de Política Urbana, 199

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