O estatuto da violência no cinema brasileiro contemporâneo: uma análise psicanalítica acerca dos processos de subjetivação e de sofrimento psíquico no Brasil

Mila Macêdo Veríssimo, Juliano Lagoas

Resumo


Esta pesquisa parte da consideração de que a cultura nos oferece caminhos instigantes e
profícuos no sentido da ampliação e do aprofundamento de nossa compreensão acerca da
lógica de produção social e subjetiva da violência no Brasil contemporâneo. Em particular,
pensamos aqui no cinema e em sua capacidade de afetar o ser mais íntimo dos sujeitos e das
sociedades. Dentre as formas de expressão artísticas na atualidade, talvez seja o cinema -
como dizia Benjamin, "a arte das massas" - a que melhor exprime os impasses subjetivos, os
desafios éticos e os paradigmas estéticos em torno dos quais a problemática da violência no
Brasil contemporâneo se estrutura. Desse modo, o presente estudo teve como objetivo
investigar o estatuto da violência no cinema brasileiro contemporâneo, procurando
compreender o papel exercido pelo afeto do medo nos processos de subjetivação e de
sofrimento psíquico no contexto da sociedade brasileira atual. Para isso, a pesquisa foi
desenvolvida em duas frentes de trabalho complementares. Por um lado, e inicialmente,
tratou-se de examinar o modo como a problemática da violência – apreendida sob a ótica de
suas relações com o medo, com a agressividade e com a ambivalência dos afetos – se
estabelece no discurso psicanalítico, bem como explorar algumas das discussões filosóficopolíticas
acerca de características e dinâmicas fundamentais das sociedades contemporâneas,
especialmente no que diz respeito aos modos de vida instituídos pelo modelo econômico
neoliberal. E, de outro lado, procurou-se analisar, à luz das reflexões proporcionadas pela
exploração teórico-conceitual, algumas obras do cinema brasileiro contemporâneo: Bacurau
(Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, 2019), O som ao redor (Kleber Mendonça Filho,
2013) e Tropa de Elite (José Padilha, 2007). Do ponto de vista metodológico, adotamos os
princípios da análise de discurso, em sua matriz francesa, articulados aos aportes teóricoclínicos
da psicanálise. Nesse sentido, foi possível verificar o papel estruturante
desempenhado pelos fenômenos da violência e da agressividade, e pelo afeto do medo, nos
processos de formação das subjetividades na realidade brasileira contemporânea. Vimos
que a problemática da violência não se esgota na questão de saber se se trata de um
fenômeno social ou individual. Mais do que isso, implica a tarefa de delimitar e compreender
as articulações e disjunções entre o individual e o social no processo de constituição do campo
da violência, procurando situar aí o sujeito tal como a psicanálise o concebe, isto é, enquanto
ser ao mesmo tempo individual e social. Por essa via, observou-se implicações do modelo
econômico neoliberal nos modos de subjetivação que, fundados na lógica da segurança, da
performance e do desempenho, conduzem progressivamente a um apagamento das
singularidades, ao cerceamento das subjetividades, e, finalmente, à produção de sofrimento
psíquico. Em conjunto, os filmes analisados no trabalho revelaram-se, cada um à sua maneira,
demonstrações da ideia de que a violência não é sinônimo de irracionalidade, na medida em
que ela exprime certos ideais de vida, exigências sociais e expectativas de reconhecimento
características de uma época.


Palavras-chave


violência; psicanálise; agressividade; Brasil; cinema.

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DOI: https://doi.org/10.5102/pic.n0.2020.8211

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