Biotecnologia moderna, direito e o pensamento abissal

Fernanda Viegas Reichardt, Silvia Maria Guerra Molina, Maria Elisa de Paula Eduardo Garavello

Resumo


Este estudo adota a teoria proposta por Boaventura de Sousa Santos em “Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes”. Através desta teoria e do método de abordagem indutivo e de procedimento monográfico, utilizando-se técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, propõe-se-se uma análise epistemológica da Biotecnologia Moderna que embasa a proteção patentária de culturas geneticamente modificadas no ordenamento jurídico brasileiro. Objetiva-se, portanto, refletir sobre novas bases teóricas que possam vir a contribuir, mesmo que com limitações, para ampliar as possibilidades de uma ciência e um direito mais condizente com as questões socioambientais. Argumenta se que o pensamento abissal – caracterizado como monopólio da ciência sobre a verdade – subsiste na Biotecnologia Moderna. Procura-se, então, desmitificar um conhecimento que se apresenta como raro e especializado do qual decorre um inevitável “estado de coisas”. Observa-se que, do lado de cá da linha abissal, as incertezas científicas, talvez, sejam as únicas certezas. Do outro lado da linha abissal, existem 'outros' saberes, para além da ciência e da técnica. Aponta-se que esses saberes têm sido tomados como não existentes e, por isso, radicalmente excluídos da racionalidade moderna. Em seguida, contextualiza-se a proteção patentária inserida na lógica brasileira de um direito moderno. Reconhece-se, assim, o pensamento abissal no plano jurídico. Aponta-se os desafios da regulação normativa dos risos relacionados às culturas geneticamente modificadas, em um contexto de insegurança científica. Por fim, conclui-se que no cenário agrícola brasileiro, direito e conhecimento abissais não promovem a sociobiodiversidade.

Palavras-chave


epistemologia; direitos propriedade intelectual; culturas geneticamente modificadas; diversidade socioambiental

Texto completo:

PDF

Referências


AGAPITO-TENFEN, S.; GUERRA, M.; WIKMARK, O.; NODARI, R. Comparative proteomic analysis of genetically modified maize grown under different agroecosystems conditions in Brazil. Proteome Science, London, v. 11, n. 46, 2013. Available: http://www.proteomesci.com/content/11/1/46. Accessed on: 30 jan. 2014.

AYALA, P. A. Processo ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

BALÉE, W. The culture of Amazonian forests. In: POSEY, D. A.; BALÉE, W. (Ed.). Resource management in Amazonia: indigenous and folk strategies. New York: New York Botanical Garden, 1989. p. 1-21.

BALÉE, W. The research program of historical ecology. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, v. 35, n. 1, p. 75-98, 2006.

BIRCH, K.; LEVIDOW, L.; PAPAIOANNOU, T. Sustainable capital? The neoliberalization of nature and Knowledge in the European Knowledge-based bio-economy. Sustainability, v. 2, n. 9, p. 2898–2918. doi:10.3390/su2092898.

BØHN, T. et al. Compositional differences in soybeans on the market: glyphosate accumulates in Roundup Ready GMO soybeans. Food Chemistry, Oxon, v. 153, p. 207-215, June 2014. Availablehttp://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0308814613019201#. Accessed on: 04 Jan. 2014.

BRASIL. Decreto n. 2.519 de 16 de março de 1998. Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2519.htm. Acesso em: 29 maio 2013.

BRASIL. Lei n. 10.688 de 13 de junho de 2003. Estabelece normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003 e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/ L10.688.htm. Acesso em: 06 abr. 2015.

BRASIL. Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005. Estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/lei/l11105.htm. Acesso em: 06 abr. 2015.

BRASIL. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 06 abr. 2015.

BRASIL. Medida Provisória n. 113, de 26 de março de 2003. Estabelece normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003 e dá outras providências. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/DetalhaDocumento.action?id=236364. Acesso em: 06 abr. 2015.

BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Coordenação-Geral da Comissão Técnica Nacional De Biossegurança. Tabela resumo de plantas aprovadas pela CTNBIO: 2016. Brasília, 2016. Disponível em: http://ctnbio.mcti.gov.br/documents/566529/1684467/Tabela+Resumo+de+Plantas+Aprovadas+pela+CTNBio/7a9 8283f-39e7-4548-8960-ad489b29e281?version=1.4. Acesso em: 28 abr. 2016.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Agrotóxicos. Brasília, 2014. Disponível em: http://www.mma.gov.br/seguranca-quimica/agrotoxicos. Acesso em: 30 jan. 2014.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Relatório sobre agrobiodiversidade e diversidade cultural. Brasília: Secretaria de Biodiversidade e Florestas, 2006. Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_agrobio/_publicacao/89_publicacao21092009104952.pdf. Acesso em: 26 jan. 2015.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Diretoria de Conservação da Biodiversidade. Convenção sobre diversidade biológica: cópia do Decreto Legislativo no. 2, de 5 de junho de 1992. Brasília: MMA, 2000. Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_chm_rbbio/_arquivos/cdbport_72.pdf. Acesso em: 06 abr. 2015.

CAPRA, F. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix; Amaná-Key, 2002.

CÉLERES. 1° levantamento de adoção da biotecnologia agrícola no Brasil: safra 2015/16. Uberlândia, 08 ago. 2016. Disponível em: http://www.celeres.com.br/1o-levantamento-de-adocao-da-biotecnologia-agricola-no-brasil-safra-201516/ Acesso em: 26 abr. 2016.

CLEMENT, C. R. Um pote de ouro no fim do arco-íris? O valor da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado, e as mazelas da lei de acesso: uma visão e proposta a partir da Amazônia. Amazônia: Ciência & Desenvolvimento, Belém, v. 3, n. 5, p. 7-28, 2007.

CUNHA, M. Carneiro da. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

CUNHA, M. Carneiro da; ALMEIDA, M. B. (Org.). Enciclopédia da floresta: o Alto Juruá: práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.

DIEGUES, A. C. O mito da natureza intocada. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2001.

EUROPEAN COMMISSION. New Perspectives on the knowledge based bio-economy: transforming life sciences knowledge into new, sustainable, eco-efficient and competitive products: conference report, 2005.

FERNANDES, G. Genes como mercadorias: o caso da introdução das sementes transgênicas no Brasil. 2015. 134 f. Tese (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

FERNANDES, Gabriel Bianconi. Os direitos dês agricultores no contexto do tratado de recursos fitogenéticos da FAO: o debate no Brasil. Rio de Janeiro, out. 2007. Disponível em: http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2011/05/ Os-direitos-dos-agricultores-no-contextodo-tratado-de-Recursos-Fitogen%C3%A9ticos-da-FAO.pdf. Acesso em: 11 out. 2013.

FERREIRA, H. A biossegurança dos organismos transgênicos no direito ambiental brasileiro: uma análise fundamentada na teoria da sociedade de risco. 2008. 372 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.

FULLER, D. Q. Contrasting patterns in crop domestication and domestication rates: recent archaeobotanical insights from the old world. Annals of Botany, London, v. 100, n. 5, p. 903-924, 2007. Available: http://aob.oxfordjournals.org/content/100/5/903.full.pdf+html. Accessed on: 20 Apr. 2012.

FUTUYMA, D. Evolution. Sunderland: Sinauer Associates, 2005.

GARCIA, J. L. Biotecnologia e biocapitalismo global. Análise Social, Lisboa, n. 181, p. 981-1009, 2006.

JABLONKA, E.; LAMB, M. Evolution in four dimensions: genetic, epigenetic, behavioral, and symbolic variation in history of life. London: MIT Press, 2006. JAIMES, Clive. Global status of commercialized biotech/GM crops: 2010. ISAAA Brief, n. 42, 2010. Available: https://www.isaaa.org/resources/publications/briefs/42/download/isaaa-brief-42-2010.pdf. Accessed on: 06 Apr. 2015.

LACEY, H. A controvérsia sobre os transgênicos: questões científicas e éticas. São Paulo: Idéias & Letras, 2006. LACEY, H. As sementes e o conhecimento que elas incorporam. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 53-59, jul./set. 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n3/9772.pdf. Acesso em: 08 abr. 2015.

LACEY, H. Science, emancipation, and the variety of forms of knowledge. Metascience, v. 24, n. 1, p. 159–162, Mar. 2015. Available: http://download.springer.com/static/pdf/946/art%253A10.1007%252Fs110160149948x.pdf?originUrl=http%3A%2F%2Flink.springer.com%2Farticle%2F10.1007%2Fs110160149948x&token2=exp=1473694983~acl=%2Fstatic%2Fpdf%2F946%2Fart%25253A10.1007%25252Fs110160149948x.pdf%3ForiginUrl%3Dhttp%253A%252F%252Flink.springer.com%252Farticle%252F10.1007%252Fs110160149948x*~hmac=eb9d6b08fc088440fb2d84fb81d31cb91879be70aa1b6d0a1c87fa65af37a382. Accessed on: 08 Apr. 2015.

LACEY, H. The social location of scientific practices. Swarthmore, Mar. 2002. Available: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Fmp4aKiblNQJ:www.swarthmore.edu/Humanities/hlacey1/social_location.doc+&cd=1&hl=ptBR&ct=clnk&gl=br. Accessed on: 06 Apr. 2015.

LACEY, H. Valores e atividade científica. São Paulo: Discurso Editorial, 1998.

LACEY, H. Valores e atividade científica. São Paulo: Editora 34, 2010.

LEWONTIN, R. The triple helix. Cambridge: Harvard University Press, 2000.

MASCARO, A. L. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010.

McAFEE, K. Neoliberalism on the molecular scale. Economic and genetic reductionism in biotechnology battles. Geoforum, New York, v. 34, p. 203-219, 2003.

PACKER, Larissa Ambrosano. Biodiversidade como bem comum: direito dos agricultores e agricultoras, povos e comunidades tradicionais. Curitiba: Terra de Direitos, 2012. Disponível em: http://terradedireitos.org.br/wpcontent/uploads/2012/09/Biodiversidade-como-bem-comum.pdf. Acesso em: 31 jan. 2014.

REICHARDT, Fernanda Viegas. A função socioambiental das patentes de plantas geneticamente modificadas no Brasil. 2015. 151 f. Tese (Doutorado) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz; Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2015.

RIDLEY, M. Evolução. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

SANTILLI, J. Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2009.

SANTILLI, J. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2005.

SANTOS, B. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum. 2. ed. Porto: Afrontamento, 2000.

SANTOS, B.; MENESES, M. P. (Org.). Epistemologias do sul. São Paulo: Cortez, 2010.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo, n. 79, p. 71-94, nov. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002007000300004&script=sci_arttext. Acesso em: 20 jun. 2013.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 78, p. 3-46, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002007000300004&script=sci_arttext. Acesso em: 20 jun. 2013.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, v. 63, p. 237-280, 2002. Disponível em: http://www.ces.uc.pt/bss/documentos/sociologia_das_ausencias.pdf. Acesso em: 2 fev. 2013.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Poderá o direito ser emancipatório? Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 65, p. 3-76, 2003. Disponível em: http://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/60_Podera%20o%20direito%20ser%20emancipatorio_RCCS65.pdf. Acesso em: 20 jun. 2015.

SANTOS, L. Predação high tech,biodiversidade e erosão cultural: o caso do Brasil, 2001. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/cteme/predacao.pdf. Acesso em: 06 abr. 2015.

SILVA, J. A. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998.

TRAAVIK, Terje. Too early may be too late: ecological risks associated with the use of naked DNA as biological tool for research, production and therapy. Research Report for DN, n. 1, 1999. Available: http://www.miljodirektoratet.no/old/dirnat/attachment/1960/Utredning%201999-1%20Too%20eraly%20may%20be%20to%20late.pdf. Accessed on: 06 Apr. 2015.

VARELLA, M. D. Intellectual Property and Agriculture: the case on Soybeans and Monsanto. Journal of Technology Law & Policy, v. 18, p. 59-82, 2013.

VARELLA, M. D. Propriedade intelectual de setores emergentes: biotecnologia, fármacos e informática. São Paulo: Atlas, 1996. v. 1.

VIEGAS, A. Estudos sobre a mandioca. São Paulo: Instituto Agronômico do Estado de São Paulo; BRASCAN, 1976.




DOI: https://doi.org/10.5102/rdi.v13i2.4059

ISSN 2236-997X (impresso) - ISSN 2237-1036 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia